O que é o HIV e como ele afeta o organismo
O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um retrovírus que ataca diretamente o sistema imunológico, especificamente as células CD4+, responsáveis pela defesa do organismo contra infecções. Além disso, diferentemente de outras infecções virais, o HIV tem a capacidade de se integrar ao DNA humano, tornando-se parte da célula infectada e utilizando sua maquinaria para se replicar.
Quando não tratado adequadamente, o HIV pode evoluir para a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Dessa forma, nesse estágio avançado da infecção, ocorre uma severa deterioração do sistema imunológico, o que, consequentemente, deixa o organismo vulnerável a diversas infecções oportunistas potencialmente fatais.
Segundo dados recentes do Ministério da Saúde (2023), aproximadamente 920 mil brasileiros vivem com HIV atualmente. Desse total, 77% realizam tratamento com antirretrovirais e, entre os que se tratam, 94% apresentam carga viral indetectável, o que, portanto, significa que não transmitem o vírus por via sexual.
HIV x AIDS: Entenda a diferença
Muitas pessoas confundem HIV com AIDS, mas são conceitos diferentes que precisam ser esclarecidos:
- HIV é o vírus causador da infecção
- AIDS é a doença que se desenvolve em estágios avançados da infecção por HIV
Uma pessoa pode viver com HIV por muitos anos sem desenvolver AIDS, especialmente se estiver em tratamento adequado. Além disso, por definição médica, considera-se que uma pessoa tem AIDS quando:
- A contagem de linfócitos TCD4+ cai abaixo de 200 células/mm³ (em pessoas saudáveis, esse número varia de 500 a mais de 1.000), indicando comprometimento significativo do sistema imunológico.
- Surgem, então, doenças oportunistas definidoras de AIDS, como neurotoxoplasmose, pneumocistose ou tuberculose extrapulmonar.
O objetivo principal do tratamento antirretroviral é, portanto, justamente impedir essa progressão do HIV para AIDS, mantendo o sistema imunológico funcionando adequadamente.
Formas de transmissão do HIV
O HIV é transmitido exclusivamente através do contato com fluidos corporais específicos de uma pessoa infectada. Dessa forma, as principais vias de transmissão são:
1. Transmissão sexual
A forma mais comum de transmissão do HIV ocorre durante relações sexuais desprotegidas (sem preservativo), que podem ser:
- Sexo vaginal
- Sexo anal
- Sexo oral (embora o risco seja menor)
Durante essas práticas, o contato com sangue, sêmen ou secreções vaginais de uma pessoa infectada, portanto, pode levar à transmissão do vírus.
2. Transmissão sanguínea
Ocorre quando há contato direto com sangue contaminado pelo HIV, principalmente através de:
- Compartilhamento de seringas e agulhas (especialmente entre usuários de drogas injetáveis)
- Transfusão de sangue contaminado (extremamente raro atualmente devido aos rigorosos processos de triagem nos bancos de sangue)
- Acidentes com materiais perfurocortantes contaminados
3. Transmissão vertical (mãe para filho)
Uma gestante que vive com HIV pode transmitir o vírus para o bebê:
- Durante a gestação (através da placenta)
- No momento do parto (principal momento de risco)
- Durante a amamentação
Com acompanhamento médico adequado e tratamento antirretroviral durante a gestação, o risco de transmissão vertical pode, assim, ser reduzido para menos de 1%.
Sintomas da infecção por HIV
Os sintomas do HIV variam conforme o estágio da infecção. É importante ressaltar que muitas pessoas podem permanecer assintomáticas por anos, o que reforça a importância da testagem regular.
Fase aguda (primeiros 30-60 dias após a infecção)
Cerca de 50-90% das pessoas infectadas desenvolvem sintomas semelhantes aos de uma gripe ou resfriado forte, aproximadamente 2 a 4 semanas após a exposição ao vírus. Durante esse período, que é caracterizado por alta carga viral, há também um maior risco de transmissão. Os sintomas podem incluir:
- Febre persistente
- Fadiga intensa
- Dores musculares e articulares
- Linfonodos aumentados (ínguas)
- Dor de garganta
- Erupções cutâneas (manchas vermelhas)
- Sudorese noturna
- Úlceras na boca ou genitais
- Diarreia
Estes sintomas geralmente duram entre 1 e 4 semanas e depois desaparecem espontaneamente, mesmo sem tratamento.
Fase de latência clínica
Após a fase aguda, o HIV continua se multiplicando, porém em ritmo mais lento. Durante este período, que pode durar de 8 a 10 anos (ou mais, dependendo de fatores individuais), a pessoa pode não apresentar sintomas evidentes, embora o vírus continue danificando o sistema imunológico gradualmente.
Fase sintomática avançada (AIDS)
Quando o sistema imunológico está severamente comprometido, surgem os sintomas característicos da AIDS:
- Perda de peso inexplicada (superior a 10% do peso corporal)
- Febres recorrentes
- Diarreia crônica
- Suores noturnos intensos
- Manchas brancas na língua ou boca (candidíase oral)
- Pneumonia recorrente
- Infecções oportunistas graves
- Certos tipos de câncer, como o Sarcoma de Kaposi
Diagnóstico do HIV

O diagnóstico precoce do HIV é fundamental para iniciar o tratamento adequado e prevenir a transmissão do vírus. Atualmente, existem diversas modalidades de testes disponíveis no Brasil, muitos deles gratuitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Janela imunológica
É importante entender o conceito de “janela imunológica” – período entre a infecção e a produção de anticorpos detectáveis nos testes. Este período pode variar de 30 a 60 dias, dependendo do tipo de teste utilizado. Durante a janela imunológica, a pessoa já está infectada e pode transmitir o vírus, mesmo que os testes ainda não detectem a infecção.
Tipos de testes para HIV
Testes rápidos
- Tempo para resultado: 30 minutos
- Método: Detectam anticorpos contra o HIV no sangue ou fluido oral
- Precisão: Alta sensibilidade e especificidade (acima de 99%)
- Disponibilidade: Gratuitos em unidades de saúde, CTA (Centros de Testagem e Aconselhamento) e campanhas de testagem
- Vantagens: Resultado no mesmo dia, facilitando o início rápido do tratamento quando necessário
Testes laboratoriais convencionais
- ELISA: Teste inicial que detecta anticorpos contra o HIV
- Western Blot/Imunoblot: Testes confirmatórios utilizados quando o ELISA é positivo
- PCR (Reação em Cadeia da Polimerase): Detecta o material genético do vírus, sendo útil para diagnóstico em recém-nascidos e durante a janela imunológica
Autoteste de HIV
Disponível em farmácias, o autoteste permite que a pessoa realize o procedimento em casa. Em caso de resultado positivo, é necessário buscar um serviço de saúde para confirmação e acompanhamento.
Exames de acompanhamento para pessoas que vivem com HIV
Após o diagnóstico, são realizados exames periódicos para monitorar a evolução da infecção e a eficácia do tratamento:
- Contagem de células CD4+: Avalia o estado do sistema imunológico
- Carga viral: Mede a quantidade de vírus no sangue
- Genotipagem: Identifica possíveis resistências do vírus aos medicamentos
- Exames complementares: Avaliam função hepática, renal e presença de outras infecções
Tratamento atual do HIV

O tratamento do HIV evoluiu significativamente nas últimas décadas, transformando uma condição antes fatal em uma infecção crônica controlável. Atualmente, o Brasil oferece gratuitamente, via SUS, todos os medicamentos antirretrovirais necessários para o tratamento.
Terapia Antirretroviral (TARV)
O tratamento padrão consiste na combinação de pelo menos três medicamentos antirretrovirais, conhecida como Terapia Antirretroviral Combinada (TARV). Os medicamentos atuam em diferentes fases do ciclo de vida do HIV, impedindo sua replicação e progressão da doença.
Principais classes de antirretrovirais:
- Inibidores da Transcriptase Reversa Nucleosídeos (ITRN): Bloqueiam a enzima transcriptase reversa, impedindo a conversão do RNA viral em DNA
- Inibidores da Transcriptase Reversa Não-Nucleosídeos (ITRNN): Também atuam sobre a transcriptase reversa, mas por mecanismo diferente
- Inibidores de Protease (IP): Bloqueiam a enzima protease, essencial para a maturação das partículas virais
- Inibidores de Integrase (INI): Impedem a integração do DNA viral ao DNA da célula hospedeira
- Inibidores de Entrada: Bloqueiam a entrada do vírus nas células CD4+
Esquemas terapêuticos atuais
O esquema inicial recomendado pelo Ministério da Saúde brasileiro atualmente consiste em:
- Esquema preferencial: Dolutegravir + Tenofovir + Lamivudina (disponível em comprimido único diário)
- Esquemas alternativos: Utilizados em casos de intolerância, contraindicações ou resistência viral
Indetectável = Intransmissível (I=I)
Um dos grandes avanços no tratamento do HIV é o conceito científico de I=I (Indetectável = Intransmissível). De fato, estudos comprovaram que pessoas vivendo com HIV que mantêm carga viral indetectável (menos de 40 cópias/ml) por pelo menos seis meses de tratamento contínuo não transmitem o vírus por via sexual, mesmo em relações sem preservativo.
Este conceito revolucionou não apenas a prevenção da transmissão do HIV, mas também reduziu significativamente o estigma associado à condição.
Adesão ao tratamento
A adesão rigorosa ao tratamento é fundamental para o sucesso terapêutico. Interrupções não orientadas podem levar ao desenvolvimento de resistência viral e falha terapêutica. Por isso, é essencial:
- Tomar os medicamentos nos horários prescritos
- Não interromper o tratamento sem orientação médica
- Comparecer regularmente às consultas de acompanhamento
- Realizar os exames periódicos conforme recomendação médica
Métodos de prevenção do HIV
A prevenção do HIV envolve diversas estratégias que podem ser combinadas conforme as necessidades individuais, numa abordagem conhecida como “prevenção combinada”.
Métodos de barreira
- Preservativo externo (masculino): Método mais acessível e conhecido, com eficácia de aproximadamente 95% quando usado corretamente
- Preservativo interno (feminino): Alternativa que proporciona maior autonomia à mulher
- Barreiras bucais: Para proteção durante o sexo oral
Profilaxia Pré-Exposição (PrEP)
A PrEP consiste no uso preventivo de medicamentos antirretrovirais por pessoas HIV-negativas com risco aumentado de infecção. No Brasil, além disso, a PrEP é oferecida gratuitamente pelo SUS e consiste em:
- Medicamento: Combinação de Tenofovir + Emtricitabina em comprimido único diário
- Eficácia: Superior a 99% quando usada corretamente
- Início da proteção: Aproximadamente 7 dias para relações anais e 20 dias para relações vaginais
- Acompanhamento: Consultas médicas e exames periódicos a cada 3 meses
É importante ressaltar que a PrEP não protege contra outras ISTs, sendo recomendado o uso combinado com preservativos.
Profilaxia Pós-Exposição (PEP)
A PEP é, portanto, uma medida de urgência para prevenir a infecção pelo HIV após uma potencial exposição ao vírus:
- Prazo: Deve ser iniciada o mais rápido possível, preferencialmente nas primeiras 2 horas e, no máximo, até 72 horas após a exposição.
- Duração: 28 dias de tratamento com antirretrovirais
- Disponibilidade: Gratuita nos serviços de emergência, CTA e algumas unidades básicas de saúde
- Indicações: Relação sexual desprotegida, acidente com material biológico, violência sexual
Testagem regular
A testagem regular para HIV é recomendada:
- A cada 6 meses para pessoas com vida sexual ativa
- A cada 3 meses para pessoas com maior vulnerabilidade
- Durante o pré-natal para todas as gestantes
Prevenção da transmissão vertical
Para gestantes HIV-positivas, o protocolo de prevenção inclui:
- Terapia antirretroviral durante toda a gestação
- Parto por cesariana em casos específicos
- Antirretrovirais para o recém-nascido nas primeiras semanas de vida
- Substituição da amamentação por fórmula infantil
Vivendo com HIV: Qualidade de vida e cuidados contínuos
Com os avanços no tratamento, pessoas que vivem com HIV podem ter expectativa e qualidade de vida semelhantes às de pessoas não infectadas, desde que sigam algumas recomendações:
Acompanhamento médico regular
- Consultas periódicas com infectologista
- Realização dos exames de carga viral e CD4+ a cada 3-6 meses
- Avaliação de possíveis efeitos colaterais dos medicamentos
- Monitoramento de comorbidades
Alimentação e estilo de vida
- Dieta equilibrada rica em frutas, vegetais, proteínas magras e grãos integrais
- Atividade física regular adaptada às condições individuais
- Evitar o consumo de álcool e tabaco
- Cuidados com a higiene alimentar para evitar infecções por alimentos contaminados
Saúde mental
- Suporte psicológico para lidar com o diagnóstico e suas implicações
- Participação em grupos de apoio
- Tratamento adequado para depressão e ansiedade, condições comuns em pessoas vivendo com HIV
Prevenção de infecções oportunistas
- Vacinação conforme recomendação médica (evitando vacinas com vírus vivos atenuados em casos de imunossupressão grave)
- Profilaxia medicamentosa quando indicada
- Cuidados com higiene pessoal e ambiental
Complicações potenciais da infecção por HIV não tratada
Quando não tratada adequadamente, a infecção pelo HIV pode levar a diversas complicações graves:
Infecções oportunistas
- Tuberculose: Principal causa de morte em pessoas com AIDS
- Pneumonia por Pneumocystis jirovecii: Infecção pulmonar grave
- Toxoplasmose cerebral: Pode causar convulsões e déficits neurológicos
- Candidíase esofágica: Dificulta a alimentação
- Meningite criptocócica: Infecção do sistema nervoso central potencialmente fatal
Neoplasias associadas ao HIV
- Sarcoma de Kaposi: Câncer que se manifesta como lesões na pele, mucosas e órgãos internos
- Linfoma não-Hodgkin: Câncer do sistema linfático
- Câncer de colo do útero: Mais agressivo e de difícil tratamento em mulheres HIV-positivas
Complicações neurológicas
- Demência associada ao HIV: Comprometimento cognitivo progressivo
- Neuropatia periférica: Dor, formigamento e fraqueza em membros
Síndrome de Wasting (definhamento)
Caracterizada pela perda involuntária de mais de 10% do peso corporal, acompanhada de febre e diarreia crônica.
Perguntas frequentes sobre HIV
É possível contrair HIV através do beijo ou contato casual?
Não. O HIV não é transmitido por contato casual, como aperto de mãos, abraço, beijo social ou compartilhamento de objetos pessoais. Isso porque a saliva não contém concentração suficiente do vírus para causar infecção. De fato, apenas sangue, sêmen, secreções vaginais e leite materno possuem carga viral suficiente para transmissão.
O que é janela imunológica e por que ela é importante?
Janela imunológica é o período entre a infecção pelo HIV e a produção de anticorpos detectáveis nos testes. Durante este período (geralmente 30-60 dias), a pessoa já está infectada e pode transmitir o vírus, mesmo que os testes ainda sejam negativos. Por isso, em caso de exposição de risco, é recomendado realizar o teste após este período para obter um resultado confiável.
Qual a probabilidade de transmissão do HIV em uma única relação sexual desprotegida?
O risco varia conforme o tipo de exposição:
- Sexo anal receptivo: 0,5% a 3% por ato
- Sexo vaginal receptivo: 0,08% a 0,19% por ato
- Sexo vaginal insertivo: 0,04% a 0,1% por ato
- Sexo oral: risco extremamente baixo, mas não zero
Estes riscos aumentam significativamente se houver presença de outras ISTs, lesões genitais ou alta carga viral do parceiro HIV-positivo.
Uma pessoa com HIV indetectável pode transmitir o vírus?
Não. Estudos científicos comprovaram que pessoas vivendo com HIV que mantêm carga viral indetectável por pelo menos seis meses de tratamento contínuo não transmitem o vírus por via sexual, mesmo em relações sem preservativo. Portanto, essa é a base do conceito conhecido como I=I (Indetectável = Intransmissível).
Existe cura para o HIV?
Até o momento, não existe cura definitiva para o HIV. Houve alguns casos isolados de pessoas consideradas “funcionalmente curadas” após procedimentos específicos (como transplante de medula óssea com células resistentes ao HIV), mas estes procedimentos são experimentais, de alto risco e não aplicáveis em larga escala. A pesquisa por uma cura continua, com diversas abordagens sendo investigadas. Enquanto isso, o tratamento antirretroviral permite controlar efetivamente a infecção, proporcionando qualidade e expectativa de vida normal às pessoas que vivem com HIV.
Como funciona o autoteste de HIV?
O autoteste de HIV está disponível em farmácias e permite que a pessoa realize o teste em casa, com privacidade. Além disso, o kit contém todos os materiais necessários e instruções detalhadas. O resultado sai em aproximadamente 30 minutos. Contudo, em caso de resultado positivo ou duvidoso, é fundamental procurar um serviço de saúde para confirmação e acompanhamento.
Conclusão: Desmistificando o HIV na era moderna
Nas últimas décadas, os avanços científicos transformaram radicalmente o cenário do HIV. Assim, o que antes era considerado uma sentença de morte tornou-se uma condição crônica controlável, permitindo que pessoas que vivem com HIV tenham vidas plenas, saudáveis e produtivas.
A combinação de diagnóstico precoce, tratamento eficaz e métodos preventivos diversificados criou um caminho viável para o controle da epidemia. No entanto, o estigma e a desinformação ainda representam barreiras significativas que precisam ser superadas.
É fundamental disseminar informações precisas sobre o HIV, promovendo a testagem regular, o acesso universal ao tratamento e o combate ao preconceito. Somente assim poderemos avançar em direção ao objetivo global de acabar com a epidemia de AIDS até 2030.
Para mais informações ou para realizar um teste de HIV, procure uma unidade básica de saúde, um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) ou consulte o site do Ministério da Saúde.